Existem ocasiões que me sinto privilegiado, conhecer ou rever obras dos grandes mestres das nossas artes plásticas me embevece, pois me lembra que tivemos artistas que exerciam seu mister com maestria e rigor técnico, coisas que hoje em dia são raras ou que não mais existem.
Esta mostra de Vicente do Rego Monteiro é um dessas, que embora pequena, tem obras expressivas de sua produção, inconfundíveis em sua estética com seus traços que são também sua assinatura.
Mais um magnífico evento proporcionado pela galeria Almeida e Dale com curadoria de Denise Mattar, um passeio inesquecível.
Brasiliana nº 8 para Dois Pianos - Choro - Arthur Moreira Lima - Radamés Gnattali
Galeria
Almeida e Dale recebe exposição Vicente do Rego Monteiro - Nem Tabu, nem
Totem
Vicente
do Rego Monteiro | O vendedor de esteiras | Óleo
sobre tela | 50 x 65 cm | Coleção Particullar
“Quero
que o meu poema não seja nem tabu, nem totem”
Vicente
do Rego Monteiro
O pintor e poeta pernambucano Vicente do Rego Monteiro foi um artista singular, cuja instável personalidade marcou sua produção e também a relação com seus pares e com intelectuais da primeira metade do século XX. Colheu como fruto desse perene desassossego ser lembrado e esquecido, estar presente e ausente. A exposição Vicente do Rego Monteiro - Nem Tabu, nem Totem, que a Galeria Almeida e Dale recebe a partir de 3 de junho, apresenta ao público paulistano um recorte com os principais momentos dessa figura instigante, muitas vezes preterida, apesar de ter sido um dos precursores dos ideais da Semana de 22.
A
exposição, que tem curadoria de Denise Mattar, reúne 38 obras do artista,
mesclando trabalhos de diferentes períodos agrupados por analogia de linguagem,
pondo em relevo a excepcionalidade do artista. O recorte foca em sua produção
plástica das décadas de 1920 a 1940, apresentando trabalhos da série "Lendas
Amazônicas", um conjunto de obras art
déco,
a breve influência surrealista, as naturezas mortas perspectivadas, além do seu
interesse pela arte sacra.
Participante
da Semana de 22, Rego Monteiro, estava muito à frente dos modernistas
brasileiros. Já no início dos anos 1920, sua temática era povoada pelas lendas
indígenas e pelo sagrado. A exposição que chega à galeria paulistana traz dessa
época as aquarelas A
rede do amor culpado (Bailado na Lua),
Composição
indígena
e Sem
título,
que em 1921 integraram uma mostra realizada no Teatro Trianon - na época muito
bem recebida pela crítica.
"Vicente
do Rego Monteiro queria ser escultor, mas foi como pintor que impregnou sua obra
de intensa expressão tátil. Produziu um surpreendente indianismo de vanguarda,
mas nunca foi um 'antropófago'. Criou um caminho inteiramente original na
pintura, miscigenando o art déco e a cerâmica marajoara, mas nele enveredou para
uma religiosidade cristã", destaca Denise Mattar.
A
curadora explica que o verso que dá nome à mostra é parte de um soneto,
Meu
Poema,
de autoria do próprio Rego Monteiro. "O título da mostra exprime com precisão a
desconcertante personalidade do artista, que, durante toda a sua vida, alternou
longos períodos entre o Sena e o Capibaribe, entre as artes plásticas e a
poesia, entre a criação e a edição", afirma.
Ainda
em meados da década de 1920, morando em Paris, Rego Monteiro desenvolve uma
técnica, inteiramente pessoal, reportada às estilizações formais do art
déco,
num clima mítico, místico e metafísico, passando a integrar o importante grupo
L’Effort Moderne. A produção desse período é considerada a melhor fase do
pintor. Seus trabalhos da época ganharam destaque pelo caráter escultórico de
sua pintura. Os óleos sobre tela Fuga
para o Egito
e Atirador
de arco
são algumas das obras primas desse momento.
Na
segunda metade da década, Rego Monteiro casa-se com a francesa Marcelle Louis
Villard, que herda os bens de seu primeiro marido. Deslumbrado diante de uma
nova situação econômica, o artista passa a viver uma vida frenética. Nesta
época, alguns de seus trabalhos ganham certa influência surrealista, tais como
Arlequim
e o Bandolim e
Moderna
degolação de São João Batista.
Em
1928, Rego Monteiro é convidado por Oswald de Andrade a integrar o movimento
Antropófago. O artista não apenas recusa o convite, como também se sente
insultado, por se considerar um pioneiro da antropofagia – questão que suscita
opiniões diversas pela crítica até hoje. Para o crítico literário Jorge
Schwartz, por exemplo, o fato de Rego Monteiro ter sido pioneiro na introdução
do indianismo de vanguarda não o torna um antropófago, nos moldes formulados
pelo poeta paulista no final da década.
“O
movimento oswaldiano não pode ser dissociado de uma proposta revolucionária e
utópica. O indianismo de Rego Monteiro não ultrapassa os limites estéticos e até
decorativos que imprime a sua extraordinária obra”, afirma o autor em Fervor
das Vanguardas.
Após
a quebra da bolsa de Nova York, em outubro de 1929, a vida artística parisiense
é afetada e Rego Monteiro inicia uma década de pouca produção pictórica. Em
1933, retorna ao Brasil e, pouco tempo depois, passa a dirigir a revista
monarquista e nacionalista Fronteiras, onde escreve artigos e realiza
uma série de ilustrações e fotografias. A postura conservadora da publicação
contribui para o isolamento do artista. Exemplo disso foi a proposta de queima
em praça pública de Casa
Grande e Senzala,
de Gilberto Freyre, seu amigo na juventude.
Em
1942, Rego Monteiro retoma, em pintura, alguns temas nordestinos que desenhara
na década anterior. A tela O
vendedor de esteiras data
deste período. Na mesma época, o artista passou a retratar uma série de
naturezas-mortas, da qual figuram Natureza
morta
e Tulipas.
Ainda
nesse período, ele pinta algumas obras com princípios figurativistas dos anos
20, a exemplo de Mulher
com violoncelo.
De
volta a Paris, o artista funda, em 1947, a La
Presse à Brass,
editora particular que se transformou em símbolo de sua dedicação à poesia e à
cultura francesa. Durante esse período de 10 anos Rego Monteiro publica 13
livros de sua autoria, mas sua produção plástica é pequena. Em 1960, recebeu um
dos mais importantes prêmios literários da França, o Prix Guillaume
Apollinaire.
Rego
Monteiro volta ao Brasil em meados de 1950 e a partir daí dedica-se intensamente
à pintura. Na década de 1960, retoma os temas regionalistas e as
naturezas-mortas desenvolvidos em 1940.
Em
1970, Rego Monteiro figura na 8ª edição da exposição Resumo JB, evento
prestigiadíssimo na época, que elegia os mais destacados artistas do ano.
Preparando sua ida ao Rio, para a abertura da mostra, ele sofre um enfarte,
falecendo a 5 de junho, no Recife.
“Confirmando
a incoerência que permeou toda a vida de Vicente do Rego Monteiro, foi
exatamente quando sua obra entrou em declínio que ele recebeu o reconhecimento
que tanto buscou. Rego Monteiro foi uma personalidade fascinante e incoerente -
nem tabu, nem totem”, afirma Denise Mattar.
A
exposição reúne ainda seis obras de Fedora e Joaquim do Rego Monteiro, irmãos de
Vicente, sempre referidos nas biografias do artista, mas raramente apresentadas
em exposições fora do Recife. Fedora foi a primeira mulher brasileira a
participar do Salon des Indépendants, em Paris. A artista teve uma produção
constante, sempre observada pela crítica francesa, até seu retorno ao Recife e o
casamento com o político e jornalista Aníbal Fernandes. Dedicada à família a
partir daí, a artista só voltou à sua obra 13 anos depois, pintando, então, com
assiduidade, até o seu falecimento em 1975.
Já
Joaquim do Rego Monteiro desenvolveu um interessante trabalho de raiz cubista,
pleno de simultaneidades informais. As obras apresentadas na exposição são do
início de sua carreira e retratam o interior e o exterior do atelier que ele e
Vicente partilharam na Rue Gros, em Paris, no ano de 1923. O artista faleceu
prematuramente, em 1935.
A
exposição Vicente
do Rego Monteiro – Nem Tabu, nem Totem
insere-se dentro de uma ação institucional da Galeria Almeida e Dale que busca
resgatar grandes talentos da arte brasileira, como nas mostras já apresentadas
de José Antônio da Silva, Eliseu Visconti, Raimundo Cela, Ernesto de Fiori, Di
Cavalcanti, Ismael Nery, Willys de Castro, Alberto da Veiga Guignard, Alfredo
Volpi e Aldo Bonadei.
O
início da carreira
Vicente
do Rego Monteiro nasceu em 19 de dezembro de 1899, no Recife. Por influência de
sua mãe, professora, todos os irmãos revelaram seus pendores artísticos: José
seria arquiteto, Fedora, Vicente e Joaquim, pintores, e Débora,
escritora.
Dez
anos mais velha, sua irmão Fedora foi responsável pela mudança da família para
Paris em 1911. Numa atitude bastante incomum para a época, sua mãe decidiu que a
filha deveria continuar os estudos de artes iniciados na Escola Nacional de
Belas Artes na Académie Julian, na capital francesa. Vicente a acompanhava em
algumas aulas e frequentava cursos paralelos, mas o que realmente o interessou
nessa primeira estadia foi a efervescência cultural da cidade.
A
eclosão da I Guerra fez com que a família voltasse para o Brasil, em 1914,
fixando-se no Rio de Janeiro. Em 1918, Vicente assiste no Recife às
apresentações da companhia de Ana Pavlova, o que o leva a pensar na criação de
um bailado inspirado nas lendas indígenas brasileiras. Ele dedica-se então a
estudar as lendas amazônicas, e o faz com seriedade.
Em
1920, Vicente apresenta um conjunto de 43 obras na Livraria Moderna, em São
Paulo, onde conhece Anita Malfatti, Brecheret e Di Cavalcanti. A mostra segue
para a Associação dos Empregados do Comércio, no Rio de Janeiro, e depois é
apresentada, com 31 obras, na mesma entidade no Recife. De modo geral, a
imprensa recebeu bem a exposição, com destaque para as críticas de Monteiro
Lobato e Ribeiro Couto.
Logo
após a mostra, o artista decide retornar a Paris. Foi um momento de
experimentação, de procura de novos caminhos. Em 1922, participou, por acaso, da
Semana de Arte Moderna em São Paulo, com dez obras que ele havia deixado com
Ronald de Carvalho quando partiu e que foram incluídas na mostra pelo
poeta.
Vicente
do Rego Monteiro, 1970 | Foto: Edmond Dansot
Maturidade
A
grande virada na obra de Vicente do Rego Monteiro ocorreu, entre 1923 e 1925,
quando o artista teve a sensibilidade de conectar o estilo art déco, em plena
ascensão na França, às suas raízes brasileiras e à arte marajoara. Foi também o
momento no qual conseguiu transformar a pesquisa sobre as lendas amazônicas num
livro e ainda realizar seu sonhado bailado, apresentando-o, em alguns dos
melhores teatros de Paris, com dançarino François Malkovikz (1899-1982),
sucessor de Isadora Duncan.
Nas
décadas seguintes, o artista se divide entre Paris e Recife, em longos períodos
intercalados, ora se dedicando com afinco à pintura, ora à poesia e à produção
editorial.
Em
1966, é contratado para lecionar no Instituto Central de Artes da Universidade
de Brasília, onde assume a direção da Gráfica Piloto. No bojo dos movimentos
políticos de 1968, o ateliê de Monteiro no campus da UnB é invadido e algumas de
suas obras são destruídas por estudantes extremistas.
Além
de estar presente nos principais acervos museológicos do Brasil Rego Monteiro é
o artista moderno brasileiro mais bem representado na França, com importantes
obras no Museu Nacional de Arte Moderna- Centro Georges Pompidou, Paris, Museu
de Arte Moderna de la Ville de Paris, Museu Géo-Charles, Echirolles e Museu de
Grenoble.
Em
outubro deste ano, o Centro Pompidou apresentará uma importante exposição
retrospectiva de Paulo Brüscky, que incluirá na sua exposição dois trabalhos de
Rego Monteiro que integram o acervo da instituição francesa. Grande admirador do
artista, Brüscky realizou extensa pesquisa documental sobre ele - material que
estará presente no Pompidou -, e publicou em 2004, no Recife, um livro reunindo
toda a obra poética do artista pernambucano.
Clique aqui para mais imagens.Vicente do Rego Monteiro - Nem Tabu, nem TotemVernissage: 3 de junho (sábado), das 11h às 14hPeríodo de exposição: de 5 de junho a 29 de julhoDe segunda a sexta, das 10h às 18h; sábado, das 10h às 14h
Galeria Almeida e DaleR. Caconde, 152 - Jardim Paulista, São Paulo – SP
Tel.: 11 3887-7130
www.almeidaedale.com.br
+55 (11) 3897-4122
Cristiane Nascimento – cristianenascimento@a4eholofote.com.br
Neila Carvalho – neilacarvalho@a4eholofote.com.br
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