Como é gratificante conhecer um artista que além de talentoso domina plenamente as técnicas de desenho e pintura, apresentando trabalhos em suportes ecléticos que encantam e emocionam.
O texto de apresentação de Ignácio de Loyola Brandão, abaixo das imagens, completa brilhantemente a apreciação das obras, prendendo nossa atenção às minúcias e filigranas próprias a cada uma.
Em cartaz na Fibra Galeria é um belo passeio onde percebemos que ainda existem bons jovens artistas que levam a sério seu mister.
Borodin- Polovtsian Dances
Circulemos por estas ruas, espaços,
paredes poéticas, reais, ilusórias, intrigantes
por Ignácio de Loyola Brandão
As
cidades de Dario. Os habitantes vivem nos mesmos espaços, mesmas quadras, ruas,
avenidas, becos, edifícios, frequentando os mesmos bares, empórios, farmácias,
restaurantes, shoppings de informática, lojas, elevadores, e não se comunicam,
não se entendem. Olham-se e não reconhecem uns aos outros.
Nas
cidades de Dario seus habitantes vivem impregnados de fantasias, sonhos, medos,
terrores, festas, flores, pássaros, bolas, sonhos, amebas, vazios, seres que
nos parecem de outras galáxias. O que é ser, o que é parecer? Quem garante que
não foram gerados embaixo de nossos pisos, tetos, atrás de nossas paredes, em
nossas camas, no canto de esquinas escuras, mal afamadas.
Aqui
há letras desconhecidas de alfabetos não identificados, palavras não criadas,
formas que se contorcem e distorcem em água, aquários em que ratazanas convivem
com peixes, ratazanas se tornam peixes em metamorfoses kafkianas, darianas.
O
que vemos ou imaginamos ver nestes trabalhos? Cubículos fechados nos quais não
se entra, dos quais não se sai. No céu todo tipo de seres, homens, animais,
crianças, objetos, surfam em pranchas róseas.
O
corte vertical de um prédio sem entrada.
Cômodos. Uns vazios, outros com um sofá e um quadro, um com um jacaré,
outro com uma cadeira que pode ter vindo do quarto de Van Gogh. Um homem é alto
demais para um pé direito baixo, o que o obriga a curvar-se. Os homens
curvam-se tanto.
Estranhos
seres parecendo humanos. Ou humanos normalmente estranhos. Há ainda o que
poderia ser a miniatura – ou será um projeto inacabado? - da torre de Babel,
uma vez que nas metrópoles de hoje todos falam nos celulares, digitam, tuitam,
ninguém se entende. Humanos perdidos. Mas os humanos estão perdidos desde que
foram criados, solitários desde que nasceram. Condenados assim que nascem.
Uma
laje paira solta, ameaçadora sobre um grupo em pé. A laje superior pode a
qualquer momento desabar sobre as pessoas, mas ninguém se preocupa,
cogita. Reflexões há muito se
extinguiram.
Os
isqueiros, de inocente uso diário, para acender um cigarro (mas o politicamente
correto não eliminou o fumo?), uma vela de aniversário, uma boca de fogão para
fazer a comida, iluminar um espaço escuro, os isqueiros tornam-se mortais,
catastróficos, ao acenderem coquetéis Molotov, ao atearem fogo aos coletivos,
cujos passageiros morrem no seu interior ou se sufocam jogando-se pelas janelas
estreitas. A violência do cotidiano tornou-se prosaica. O vandalismo acabou
banalizado.
Não
se deixe enganar pela plácida beleza destes quadros, pelos desenhos que lembram
Escher, histórias em quadrinhos, Crumb, Mutarelli. São alertas, sirenes e
alarmes. Solte-se. Entregue-se.
Visões oníricas, surreais, ilusões de
ótica.
Ou quem é Dario?
-
Dario
o que?
-
Felicissimo.
-
De
onde?
-
Paulista,
mas família mineira, belo-horizontina.
-
Quantos
anos?
-
36.
-
Estudou
onde?
-
Além
dos livros, gibis, cinemas, minhas longas incursões pelos sebos das cidades,
fiz a FAAP. Pensei em cinema, fiz artes plásticas.
-
E
estes 25 trabalhos? Aquarelas, desenhos, pinturas, objetos.
-
Minha
visão de mundo, vida. Sem títulos. Visões oníricas, surreais, ilusões de ótica,
reais. Minhas cidades.
-
Influências,
buscas?
-
Moebius,
Chiclete com Banana, Lourenço Mutarelli, Philip Guston, contaminação Pop,
Escher.
Vejo
cadernos empilhados. Cadernões de capa dura, caderninhos, Moleskines, Cicero, capas
negras, tamanhos variados. Centenas. Traços, desenhos, anotações visuais. Daqui
nascem os trabalhos de Dario.
-
Por
que não exibir também estes cadernos tão fortes (belos) quanto o que está na
parede? Adoraria olhar para um e ver o resultado, desvendando o processo de
criação, sobre o qual você tem indicações, mas que leva seus mistérios. Nestes
cadernos estão as buscas, as reiterações, repetições, encontros, bloqueios
descobertas.
-
Talvez...
Meu
olhar atravessa a exposição, deparo com geometrias, simetrias, assimetrias,
quebras, desequilíbrio. Ah, se eu ainda editasse a revista Planeta como nos anos 70, Dario seria meu ilustrador número um.
Este
artista que circula por megalopolesmetropolesaldeias, desvenda vãos e desvãos, becos,
grades, ruelas, vielas, corredores, nuvens. Captura tipos, situações, orquestra
os gritos, ruídos, a fumaça, a poluição, grava os humanos perplexos, os
viadutos. Escadas dão em lugar nenhum.
A
cidade exibe seus poros, nervos, músculos, células contaminadas. Dario abre o
caderninho, anota, transfigura.
Quadros de uma exposição- 1
(Ao som de Mussorgski ou da trilha
sonora wagneriana do filme Apocalipse Now
de Coppola, ou mesmo Sampa cantado
por Caetano e Ronda, de Vanzollini e Saudosa maloca, de Adoniran, para dar um
clima)
Trabalhos
que são símbolos, metáforas de cidades congestionadas, grades nas portas, janelas,
portões, câmeras e luzes de segurança, ônibus nos monotrilhos, ciclovias,
faixas de ônibus, motoqueiros correndo entre carros, bi bi bi bi bi bib, um
zumbido infernal, medo nos cruzamentos, vidros fechados protegidos por
insufilme, como se fossem carcaças vazias, metrôs superlotados, manifestações
ocupando as ruas, black blocs com marretas quebram vitrines, põem fogo em
ônibus. Bombas de efeito moral tiros de borracha
Quadros de uma exposição. 2
Uma
arquiteta pergunta a Dario:
-
O
que sustenta essa pedra retangular ameaçadora?
-
O
pensamento das pessoas.
-
Mas...
e se eles param de pensar?
-
A
pedra cai.
-
Então?
-
Então...
Quadros de
uma exposição. 3
O
pai, cinéfilo, pergunta:
-
De onde vêm estes pássaros hitchcockianos?
-
Dos ninhos.
-
Aves desconhecidas. Não estão em nenhum manual
de ornitologia. Onde são os ninhos?
-
Na cabeça do desenhista, do pintor, do poeta, do
inconformista, do louco, do bêbado, do indignado.
-
E onde estão ou ficam esses poetas, loucos,
desenhistas?
-
Na cabeça do desenhista, do pintor, do poeta, do
louco, do bêbado, do calado. Da sua mente, de cada um nesta exposição, de quem
vê.
-
Da minha?
-
Sim, abra, solte seus pássaros. Não sufoque!
Quadros
de uma exposição. 4
A namorada, intrigada, fascinada,
perguntou ao pintor:
-
O que é isso?
-
A fila para ver a fila.
-
Mas
é um emaranhado.
-
Sim,
filas que não começam e não terminam. Não conduzem a lugar nenhum e não se
iniciam, não vêm de nenhum lugar. Filas de espera, de teatro, cinema,
restaurante, bar, repartição pública, delegacia de policia, do pronto
atendimento, a fila da bolsa família, das escadas rolantes, do metrô, INSS,
lotérica, do céu ou do inferno (que para o purgatório ninguém vai mais).
-
Nestas
filas as pessoas não se olham...
-
E
não se falam, não perguntam nem respondem não sabem onde estão, para onde vão,
de onde vem.
-
Filas
para o nada?
-
Para
que são as filas?
Quadros
de uma exposição. 5
Uma senhora elegante, culta, atraente, pede:
-
O que é esta arte?
-
Não pergunte a mim.
-
A quem, então? Ao pintor?
-
Não se deve perguntar ao pintor.
-
A quem, a um teórico, um professor?
-
Não pergunte a ninguém, a não ser a você mesmo.
O artista quer que você responda.
-
Eu? Por quê? O artista não responde?
-
. Ele faz.
Quem responde é você.
-
E você?
Por que não me diz?
-
Posso te dizer mil coisas, mexo com palavras,
brinco, investigo, especulo. O que digo será diferente do que você vai me
dizer. O que vejo está certo. O que você vê está certo!
-
Quantas certeza há?
-
Mil. E um milhão de dúvidas.
Dario nos leva por mil caminhos, nos deixa
perder em um milhão de descaminhos.
*
Ignácio
de Loyola Brandão,
nascido em Araraquara em 1936, escritor e jornalista, 42 livros publicados
entre romances, contos, crônicas, infantis, viagens. Prêmio Jabuti com O Menino que Vendia Palavras, Melhor
Livro de Ficção de 2008. Ator dos clássicos modernos Zero e Não Verás País Nenh
Que lindo!
ResponderExcluirOs trabalhos são muito interessantes e as resenhas sobre cada obra completam de uma maneira eficiente. Simplicidade e criatividade andam sempre assim, de mãos dadas.
ResponderExcluirGrande abraço, Macário.
José, obrigado pela visita. Abraços.
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